domingo, 16 de setembro de 2012

Caçar na praia


Boto aprende a caçar na praia e transmite cultura para o filhote


Estratégia mais arriscada e aprendizado da cria foram observados no litoral sul

15 de setembro de 2012 | 15h 45                        Giovana Girardi / O Estado de S. Paulo
"O mal dos golfinhos é ter um 'índice de fofulência' alto. Não fossem eles tão fofos, as pesquisas seriam mais fáceis e saberíamos muito mais sobre eles. Só que a referência da maioria das pessoas são os filmes do Flipper e os parques aquáticos. O que esses bichos fazem na vida real é muito mais legal que a 'fofulência' deles".
Os pesquisadores Giovanna Figueiredo e Pedro Cristales captam sons emitidos pelos botos na praia  - Clayton de Souza / AE
Clayton de Souza / AE
Os pesquisadores Giovanna Figueiredo e Pedro Cristales captam sons emitidos pelos botos na praia
A declaração do biólogo Marcos Santos, do Instituto Oceanográfico da USP, sai em tom de desabafo diante de um barco parado de turistas que, aos gritinhos de "oh, que fofos", tiram fotos. Como o motor permanece ligado, logo os bichos se afastam, mas não rapidamente o suficiente para decepcioná-los. Felizes da vida, os turistas partem, deixando para trás um grupo de cientistas e jornalistas desapontados.
Em uma praia da Ilha do Cardoso, município de Cananeia, tentávamos observar um comportamento de caça desses animais que é diferente do mais habitual da espécie, foi recém-descoberto e traz fortes indícios de que é passado de uma geração a outra. Como os animais se afastaram, era preciso que tudo ficasse tranquilo para que eles voltassem.
Muito quietos, com a água até os joelhos e equipados com um hidrofone, que capta os sons por baixo d'água, aos poucos os pesquisadores voltam a perceber os apitos de comunicação dos golfinhos cada vez mais próximos. E também algo parecido com um zumbido - um sinal sonoro que emitem quando estão fazendo o que os cientistas chamam de ecolocalização. É como um radar, uma forma de interagir com um meio que é turvo. Assim podem saber onde estão os peixes, o fundo, a praia, nossas pernas.
Uma nadadeira surge aqui, outra ali. Logo três animais, possivelmente uma fêmea com seu filhote e outro adulto, ficam mais próximos, calmamente se movimentando a uma distância de uns 4 metros da praia. Eles descem e sobem para respirar, ritmados. Dá para perceber que nos veem, mas, como estamos quase imóveis, vão se acostumando com nossa presença.
De repente, a cadência é interrompida. O intervalo entre as respiradas fica mais longo e os pesquisadores escutam pelo hidrofone uma espécie de grunhido, seguido de um apito mais intenso e mais rápido. "Ela vai atacar", alerta Pedro Cristales, doutorando de Santos.
Como um míssil sob a água, o golfinho se aproxima rapidamente da praia, faz uma curva para ficar paralelo à faixa de areia e abocanha os peixes que tinham procurado refúgio nas partes mais rasas. Então se afasta um pouco para comer a presa. Logo depois, lá está de novo, parecendo calminho, até que volta a "atacar a praia", como dizem os pesquisadores. Em várias ocasiões, aquele vulto enorme passava bem na nossa frente e segundos depois só víamos os peixes sendo jogados para cima.

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